Poema ao Pôr-do-sol com Lugar Marcado

 

Poema ao Pôr-do-sol com Lugar Marcado


Poema ao Pôr-do-sol com Lugar Marcado


O dia encosta-se ao balcão do horizonte,
meio cansado, meio etílico,
como um poeta que chegou tarde
ao verso certo.
A luz despe-se sem vergonha
e as sombras ensaiam
coreografias sobre o areado empedrado.

Na mesa do canto,
um “Pessoa” com gravata desapertada
fala-me como se escreve-se com tinta de vinho
em guardanapos de saudade.
Fala-me de heterónimos futuros,
de mares nunca navegados,
e de como às vezes
é preciso fingir que se sente
para sentir de verdade.

Já um espanhol boémio no rádio enferrujado,
canta que os heróis morrem sempre com estilo.
Mas eu — que nunca fui herói —
ainda vivo como se o amor
fosse uma estação por inventar,
com comboios que se atrasam
só para me dar tempo.

O pôr-do-sol, cor de promessa antiga,
não lamenta o fim do dia.
Sabe que o amanhã é um truque
que resulta sempre que há fé.
E eu,
sentado entre copos cheios de esperanças por viver,
levanto o olhar e brindo ao talvez.

Porque há em mim um sonhador de esquina,
um pessimista com boa memória
e um otimista teimoso que recusa ir embora.
E no fim —
como dizia um poeta que sou eu sem o ser —
viver é ser outro
que ainda não chegou,
mas já tem lugar marcado
nesta taberna onde a noite começou.


Paulo Brites
Julho/2025 


Ilha do Pessegueiro - Alentejo - Poemas de Paulo Brites 

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