Poema ao Amor Depois das Nove numa Noite Quente de Julho aos Cinquentas

 
Poema ao Amor Depois das Nove numa Noite Quente de Julho aos Cinquentas


Poema ao Amor Depois das Nove numa Noite Quente de Julho aos Cinquentas


Ao cair da tarde,
quando o Sol se despe devagarinho
como uma dançarina tímida num cabaré esquecido,
o amor entra pela porta de serviço
com rugas nos olhos e sede nos dedos.

Já não somos os piratas de vinte e tal,
com âncoras em cada cama e promessas de contrabando,
mas sim náufragos de chás frios
e silêncios partilhados sem constrangimento.

Aos cinquenta, o amor não grita – sussurra.
Não nos tira a roupa — toca-nos por dentro.
Beija-nos com lábios de memórias,
acaricia-nos como quem apaga o pó de um vinil antigo
antes de pôr a agulha na canção certa.

Às vezes, o corpo não responde
como respondia no tempo das cervejas baratas,
mas o toque... agora sabe o que faz,
é cirurgião de emoções e alquimista de pele.

O entardecer pinta a cidade de vinho verde
e nós brindamos ao tempo,
não com copos,
mas com mãos entrelaçadas que não precisam de se explicar.

Porque há beijos que não precisam de boca,
há carícias que acontecem com os olhos,
e há noites que começam
quando o dia ainda tenta resistir ao escuro.

Já não precisamos de prometer para sempre,
basta-nos o agora,
uma almofada com cheiro a lavanda e livros por abrir,
um beijo antes de adormecer,
e o coração a bater só por saber que ainda está ali.

O amor aos cinquenta é como um jazz bem tocado:
não precisa de pressa,
não precisa de letra,
basta-lhe o improviso certo na nota exata da alma.

E se a juventude era fogo-de-artifício,
o que temos agora é brasa,
lenta, quente, constante.
Capaz de aquecer até a sombra do passado.

Por isso, quando o sol se deita atrás dos beirais
e a noite se veste de cetim escuro,
o amor levanta voo,
sem gritar, sem correr,
mas com uma elegância de quem já dançou muitas vidas
e ainda assim, quer mais uma valsa.

Há uma beleza serena no toque que demora,
na pele que não precisa de espelhos,
nos beijos que sabem ficar calados.
Basta-lhe um vinho verde que sabe o nome do corpo que se beija.

O amor agora tem a paciência dos bons alfaiates:
mede com os olhos,
corta com os dedos,
cose com silêncios partilhados e abraços bem dados.

Porque agora não se ama por urgência,
ama-se por escolha.
E isso, meu amor,
amar aos cinquenta, é o mais bonito de tudo.


Paulo Brites
Julho de 2025


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