Um Poema ao Pôr-do-sol no Abismo entre a Taberna e o Céu
Cheguei tarde ao encontro com o pôr-do-sol,
ele esperava-me, indiferente,
como todas as coisas que existem sem precisar de nós.
Acendi um cigarro — não pela nicotina,
mas pelo gesto de quem ainda acredita
que tem mãos no destino.
O céu sangrava cores impossíveis,
cada uma mais verdadeira que a outra,
e nenhuma mais real do que a sombra dentro de mim.
Pensei: o sol não se põe,
é a terra que gira como um bêbedo à saída da taberna.
Mas que importa a verdade,
se a mentira é tão bela?
Brindei com o último gole de cerveja
aos amores que nunca tive,
porque os que tive doem menos
do que os que invento na memória.
E percebi, tal qual o poeta dos heterónimos,
que tudo é ilusão:
o vermelho no céu,
o sabor do álcool,
a certeza de existir.
Quando a luz morreu devagarinho,
guardei o fósforo usado no bolso
como quem arquiva um verso mal escrito
e ainda assim necessário.
Desci a rua e pensei:
há enganos que valem a pena,
como acreditar que cada pôr-do-sol
é o primeiro e o último,
como se o tempo fosse um bar distraído
a servir-nos rodadas de eternidade.
E a cidade, essa puta generosa,
a prometer-me que amanhã,
se eu não faltar outra vez,
o sol voltará a despir-se.
Mas não é o sol que se despe,
quem se despe somos nós
pensando que ele se está a despir.
Paulo Brites
Set/2025
Alentejo - Troia - Poemas - Paulo Brites

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