Poema ao Amor do Ser e do Estar no Mundo Quando se Ama

 

Poema ao Amor do Ser e do Estar no Mundo Quando se Ama


Poema ao Amor do Ser e do Estar no Mundo Quando se Ama


O amor não é coisa que se diga,
é coisa que se sente sem saber como.
Como se o mundo se inclinasse ligeiramente
e de repente tudo encaixasse —
a mortalha no tabaco, o silêncio na música,
o copo ao vinho, o corpo na cama e a alma no dia.

O amor, às vezes,
é só estar bem por motivo nenhum.
Como quando o céu se despede com um laranja tão absurdo
que até os céticos tiram fotografia.

Não é um alguém, nem um sempre,
é um estado —
É andar pela rua
e cumprimentar os telhados,
saber que se tropeçar, tropeça-se inteiro,
mas não se cai
porque se ama o chão também.

É não precisar de prometer,
porque já se está lá —
como o sol,
que nunca avisa,
mas aparece todos os dias para pintar o fim de tarde
com a calma do Endovélico e dos deuses antigos.

O amor,
não é urgência —
é pausa.
Não morde, não arde, não inquieta.
Só aquece.
Como um casaco velho que ainda cheira
a quem já fomos e ainda somos.

Não há cartas,
nem beijos perdidos em esquinas,
nem noites mal dormidas.
Só a leveza de estar inteiro,
como uma árvore que se deixa estar,
sem querer ir a lado nenhum.

Amar é isso:
ficar — mesmo que tudo continue a mudar.
É olhar o pôr-do-sol
e perceber que a beleza também cansa,
mas que vale sempre a pena assistir ao fim.

Hoje, por exemplo,
não me apaixonei por ninguém,
mas andei apaixonado por tudo.
Pelo cheiro do café,
pelo miar de um gato anónimo,
por um pardal teimoso a cantar debaixo de um céu impossível.

E assim se ama:
sem meta, sem contrato,
sem nome.

Só com essa paz rara
de quem, sem saber explicar,
está exatamente onde devia estar.

E se me perguntarem
o que é o amor,
direi só isto:
É estar inteiro num momento qualquer
como quem sabe, sem dizer,
que não há outro lugar mais certo para ser.

E se também me perguntarem
o que fiz da vida,
direi:
Aprendi a estar nela como quem ama:
com os olhos abertos,
o coração distraído
e a alma encostada ao poente.

E se por fim me perguntarem
porque te amo,
somente direi:
Porque não preciso de morada nem de assunto,
basta-me um sol cansado a cair atrás dos telhados
com o coração a não entender nada...
mas sentindo tudo.


Paulo Brites


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