Poema a um Rebanho na Transumância que ainda Persiste
Ah, Sr. Presidente, ilustre eleito, que chega à vila,
pompa e honra, com séquito alinhado,
cavalheiros de fato, gravata e traquejo,
mais parece um desfile, um cortejo empacotado.
Vêm todos a passos de mármore erguido,
como se as ruas lhes devessem adoração,
como se o pó, o lixo, o ar enfadado
não lhes fosse a própria natureza, a condição.
Dizem que é o povo quem chama e quem pede,
mas o povo, que povo? Que já me perdi.
Aquele que os olha sem brilho, ou este
que aplaude sem saber o porquê de estar ali?
Ah, cavalheiros de punhos bem passados,
brilham mais que o sol, que o chão, que o céu.
E de onde vêm, me pergunto, esses modos
senão do armário bolorento de algum museu?
E lá vai o senhor doutor, lá vai sua gente,
num séquito imponente e grotesco afinal.
A corte de outrora, coroada de nada,
enquanto a vila desaba no pó sem igual.
Paulo Brites
Out/2024
0 Comentários