Desassossego do Século Novo
O mundo gira, mas gira em falso.
Se antes havia o ruído das máquinas
a ecoar nas ruas sujas de propósito,
agora, há o silêncio surdo das telas
onde as almas se apagam em cliques.
Eu, que sou tantos e nenhum,
pergunto-me onde foram os sonhos
que rasgavam as entranhas do século?
Onde estão os poetas que falavam
de revoluções feitas de carne e ferro?
No início, os homens queriam ser de aço,
e o futuro parecia uma linha reta
que corria para um horizonte qualquer.
Mas hoje, o futuro é um círculo
onde andamos, sem começo nem fim,
presos a um presente que já não existe.
O que foi feito do homem que lutava?
O que foi feito do ideal que ardia?
Perdemos-nos nas horas rápidas,
no tempo que se dissolve em segundos,
como se a vida fosse um intervalo
entre um instante e outro,
sem nunca se fixar em nós.
Eu, que sou todos e ninguém,
olho o mundo e não o reconheço.
Já não há revolução,
não há bandeiras ao vento,
nem homens de ferro a sonhar com o céu.
Há apenas o vazio do agora,
onde a alma se afoga devagar,
sem grito, sem dor, sem futuro;
e penso: talvez o século tenha começado mal,
e agora estamos a pagar o preço
de não ter sabido como sonhar.
Paulo Brites
Out/2024
Normandia - França - Poemas - Paulo Brites
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