Poema das Mudanças na Poesia das Mudanças de Estações

 

Poema das Mudanças na Poesia das Mudanças de Estações


Poema das Mudanças na Poesia das Mudanças de Estações


No outono o céu veste-se de cinza e laranja,
as folhas com inveja suicidam-se nos passeios,
trocam-se os calções por uma gabardine
e por um casaco de memórias cheias.
Descobre-se que as folhas no chão
sabem mais de amor do que os beijos de ontem,
mas há um charme em cada despedida,
como nos velhos amores sem rodeios. 

Há um café qualquer na esquina da rua
onde o tempo muda de estação
com a mesma pressa com que mudam os jornais.
Um poeta espanhol acende um cigarro,
um outro poeta português escreve num guardanapo
que a vida é só isto, um comboio que parte sempre atrasado
e nunca chega ao destino certo.

O verão ri-se de mim com dentes de ouro,
vende-me noites baratas e copos vazios.
Mas é no outono que encontro verdade:
as folhas a cair não enganam,
sabem que a beleza é feita de despedidas.

E no inverno, quando a cidade arrefece,
descubro que não tenho rosto,
sou apenas a sombra de quem sonhou demasiado.
Numa esplanada com vista para um telhado
um poeta português diz que é febre
e quando muda de nome,  garante que é só o frio.
Mas eu não sei de nada porque tenho a mente congelada
e nem um cigarro ajuda por ser de geada.

Na primavera, talvez,
a vida se perdoe a si mesma
em cada flor absurda a nascer no passeio.
Mas eu já não espero milagres —
aprendi com o poeta a fingir que acredito,
e com o outro, o espanhol, a rir-me disso tudo
antes que o coração feche o bar.

E assim vou mudando de estação,
como quem muda de amante:
com saudade da última,
esperança na próxima,
e um bilhete de comboio
que nunca chego a usar.


Paulo Brites
Set/2025


Andaluzia - Paulo Brites - Poemas

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