Poema aos Postais de um Pôr-do-sol Alentejano
Era Agosto, e o asfalto dormia
como um gato velho à sombra de um sobreiro.
Tu, com o cabelo apanhado de saudade,
eu, com a ressaca a fazer poesia.
O Alentejo estendia-se preguiçoso,
planícies mais largas que a minha paciência,
e o sol, bêbado de laranjas,
descia devagarinho
como quem sabe que está a dar espetáculo.
Paramos numa tasca onde o vinho
tinha o sotaque rouco das madrugadas.
O dono jurava que o fado
é primo do flamenco,
e eu, já a rir por dentro,
sabia que as guitarras mentem menos que as pessoas.
Roubámos copos, roubámos beijos,
roubámos até um pouco da luz do entardecer,
mas nunca deixamos de ser
o ser que afinal gostávamos de ser!
No retrovisor, a estrada ficava pequena,
à frente, o céu ardia em promessas,
e nós, vadios dos sentimentos,
jurámos não prometer nada…
Somente continuar a queimar o caminho
até que a noite nos liberte.
E ela liberta-nos!
Rasgámos a noite, esquecemos os nomes,
fizemos do ocaso a nossa casa,
e enquanto o sol caía, incendiava a loucura,
sabendo que o que importa mesmo é o momento,
antes que a planície apague tudo com o silêncio.
O calor não vinha só do sol —
vinha da pele, do riso,
do medo doce de saber
que amores assim não resistem ao inverno.
E mesmo assim, como dois vadios felizes,
deixámo-nos queimar,
antes que a noite chegasse para apagar
o que o amor queria e pedia para amar.
Paulo Brites
Agosto/2025
Alentejo - Paulo Brites Poemas

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